![Figura 2- O Chafariz da Pirâmide - construído no século XVIII - era uma fonte de água para a jovem metrópole. Praça XV de Novembro, Rio de Janeiro.](https://static.wixstatic.com/media/a63056_533736582af64a5fad8774d3a88c60ad~mv2.jpg/v1/fill/w_425,h_586,al_c,q_80,enc_auto/a63056_533736582af64a5fad8774d3a88c60ad~mv2.jpg)
Águas que brotam da fonte serena...
Assim começa a canção do poeta Guilherme Arantes, que musicou o ciclo da água em Planeta Água. Desde a infância, aprendemos sobre o ciclo desse precioso líquido, observando os processos de precipitação, infiltração, percolação da água e transpiração para o vapor. Esses mecanismos interconectados permitem que a água circule entre o ar e a terra. O vertedouro final para a água é o oceano, o destino de tudo o que veio do continente. Ao longo do caminho, a água da chuva pode se infiltrar no solo, carregando o lençol freático. Parte dela evapora. Uma terceira parte escorre em pequenas torrentes que descem pelos troncos das árvores, formando rios, lagos e baías. As águas corriam assim, nas serenas nascentes que desciam pelas encostas do Parque Nacional da Tijuca, nos inúmeros rios que depois banharam a Baía de Guanabara, nas terras dos índios Tamoios e de muitos outros povos.
Na formação de uma cidade com o nome de um rio - que na verdade era uma grande baía - o Rio de Janeiro do império era banhado por rios que ainda existem, mas que foram todos canalizados. Dentro do Parque Nacional da Tijuca, o Rio Jacó com seu afluente, o Rio Perdido, junta-se ao Rio Andaraí para formar o Rio Joana, que atravessa a grande Tijuca até se juntar ao Rio Maracanã, que por sua vez recebe as águas do Rio Trapicheiros e do Rio Comprido, até desaguar no Canal do Mangue. Desviados de seus cursos originais pela urbanização irracional, muitos rios hoje deságuam no canal do mangue. Na encosta sul do Parque da Tijuca, o Rio Paineiras deságua no Rio Carioca, que também foi canalizado e deságua no Parque do Aterro do Flamengo (Fig. 1 - mapa).
![Figura 1- Rios que drenam a Baía de Guanabara conhecidos desde o período imperial. Vale ressaltar que muitas nascentes foram canalizadas e desviadas juntas para o canal do Mangue ou para o aterro do Flamengo. Área verde - Parque Nacional da Tijuca. Azul claro - Baía de Guanabara. Azul escuro - Baía de Guanabara e Oceano Atlântico.](https://static.wixstatic.com/media/a63056_86405ffef8d245c89624f8388662fe67~mv2.jpg/v1/fill/w_850,h_498,al_c,q_85,enc_auto/a63056_86405ffef8d245c89624f8388662fe67~mv2.jpg)
A floresta sempre foi uma aliada do rio. Plantada em suas margens, ela ajudou a evitar o assoreamento, mantendo os rios e córregos cheios de água em quantidade e qualidade. A abundância de água manteve a cidade viva. Havia aquedutos nas praças para onde as pessoas se dirigiam em busca de água para suas casas, já que não havia encanamento.
Um antigo aqueduto - dos Arcos Velhos da Carioca - trazia água para o Campo de Santo Antônio. Assim, o chafariz do Largo da Carioca foi o primeiro da cidade, ao lado da escadaria que levava ao Convento de Santo Antônio.
Muitos chafarizes foram construídos entre os séculos XVIII e XIX, sendo um deles o Chafariz da Pirâmide, que, apesar de não mais conter água, é um ponto de referência na arquitetura da atual Praça XV (Fig. 2 - Chafariz da Pirâmide).
Mas, apesar dos muitos rios, o risco de falta de água era sempre uma ameaça. Muitos problemas de abastecimento decorriam do desmatamento das encostas onde se localizavam as nascentes. Na época do Império, a frequente escassez de água na cidade era atribuída ao desmatamento das nascentes na Floresta da Tijuca, que na época era ocupada por plantações de café.
Em 1861, o imperador ordenou o reflorestamento da Floresta da Tijuca. Esse projeto pioneiro de reflorestamento na área urbana foi realizado por seis escravizados - Constantino, Eleutério, Leopoldo, Manoel, Matheus e Maria - que, juntamente com Manuel Archer, recuperaram a floresta plantando mais de cem mil mudas de diversas árvores. Mudas de cedro, canela, peroba, jacarandá, pau-ferro, jequitibá, jaqueira, aroeira e muitas outras haviam sido aclimatadas e produzidas no Jardim Botânico. Outras vieram da Pedra Branca, na Zona Oeste do Rio. O reflorestamento durou aproximadamente treze anos e foi mantido e continuado pelos próprios moradores da região, que procuraram embelezar os locais no meio da mata, abrindo os atuais caminhos internos. A partir da recuperação da floresta e de seus rios, foi criado o Parque Nacional da Floresta da Tijuca, um patrimônio natural, cultural e histórico, tornando-se a área protegida mais visitada do país (figura 3).
![Figura 3 - A floresta vê a cidade. Mirante do Parque Lage - Parque Nacional da Floresta da Tijuca, Rio de Janeiro.](https://static.wixstatic.com/media/a63056_a65619c769644c1b874bf3b24dab4de5~mv2.jpg/v1/fill/w_425,h_560,al_c,q_80,enc_auto/a63056_a65619c769644c1b874bf3b24dab4de5~mv2.jpg)
A paisagem e seus rios
O equilíbrio na relação entre o homem e a natureza depende do uso e da ocupação da terra e do uso de seus sistemas hídricos. Esse equilíbrio é perceptível em determinados grupos sociais, como os povos indígenas, que ocupam aproximadamente 5% da superfície do planeta e são responsáveis pela preservação de 85% do território que ocupam. Mas nem sempre é esse o caso. Muitas vezes, o uso da terra tem sido feito sem um gerenciamento adequado e integrado para minimizar os impactos ambientais e garantir a conservação dos recursos naturais. No campo, práticas agrícolas insustentáveis transformaram as paisagens próximas aos rios, suprimindo a mata ciliar. Na cidade, os rios e córregos são soterrados pelo tecido urbano.
A importância da mata ciliar
O desmatamento acelerado das matas ciliares contribui para o aumento dos processos de erosão nos solos, especialmente nas encostas, e tem transformado os rios, causando assoreamento e, em muitos casos, a secagem de nascentes e pequenos córregos. Isso sem falar na entrada de esgoto e lixo. São esses impactos que contribuem para alterar a dinâmica dos rios, favorecendo a infertilidade do solo devido à erosão e ao uso de produtos químicos, comprometendo o ambiente natural. Mas a boa notícia é que é possível reverter o processo.
O efeito da mata ciliar
![Figura 4 - O efeito da mata ciliar na margem do rio. À esquerda, a condição de um córrego desprovido de sua mata ciliar. À direita, um rio com mata ciliar preservada.](https://static.wixstatic.com/media/a63056_b85ce5c73aa94fe0b2a656b80dd23c4d~mv2.jpg/v1/fill/w_425,h_233,al_c,q_80,enc_auto/a63056_b85ce5c73aa94fe0b2a656b80dd23c4d~mv2.jpg)
Em seu estado natural, os rios e córregos são protegidos em suas margens por uma vegetação chamada mata ciliar, composta por plantas que toleram ficar encharcadas por um determinado período de tempo (Figura 4). Assim como os cílios nos protegem da entrada de poeira ou partículas em nossos olhos, a mata ciliar é, por analogia, os cílios dos córregos.
Outra função importante da mata ciliar é reter sedimentos. O rio flui e sua correnteza carrega areia, cascalho, terra e sedimentos. Durante as chuvas fortes, a mata ciliar funciona como uma peneira, impedindo que os sedimentos do ambiente terrestre caiam excessivamente na água, causando o que é conhecido como assoreamento, ou seja, o depósito de solo no leito do rio. Sem a vegetação ciliar, a quantidade de solo no rio se torna cada vez mais rasa. Além disso, o rio sem vegetação perde gradualmente sua margem, e o solo escorrega como resultado de deslizamentos de terra (Fig. 4).
Quando plantamos o rio em suas margens, ele retorna gradualmente à sua condição natural. A perda de água é reduzida à medida que a vegetação se instala. As nascentes começam a jorrar novamente. É impressionante.
Repensar a estrutura verde das cidades é possível. Assim como a restauração da mata ciliar. Muitas nascentes correm livremente pela terra e podem ser revitalizadas. Os parques lineares - áreas verdes que acompanham a margem do rio no espaço urbano - já são uma realidade em várias metrópoles. Acompanharemos algumas das ações em andamento nos próximos posts.
Sugestão de leitura:
CORREIA, A. M. Terra Carioca - Fontes e Chafarizes, in: Revista do Instituto Histórico e Geográfico, Rio de Janeiro, RJ, volume 170, 1935.
MATTOS, R.A.A. A gestão sustentável de recursos hídricos. Experiência e desafios regionais: o caso do controle de enchentes na bacia do rio Joana - Rio de Janeiro - 2004. Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, UERJ, 109 p.
SARMENTO-SOARES, L.M. O rio da minha infância. Crônica. Disponível em: http://nossacasa.net/nossosriachos/tiririca/category/cronicas/
Parque Nacional da Tijuca - disponível em https://parquenacionaldatijuca.rio/historia-do-parque-nacional-da-tijuca/
Monumentos do Rio - disponível em http://www.monumentosdorio.com.br/antigo/br/esculturas/monumentos.htm
Luisa Maria Sarmento-Soares
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