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HIPOCRISIA BRASILEIRA POR TRÁS DA COP30 - OPINIÃO 16/01/2025

Foto do escritor: Ana Cunha-BuschAna Cunha-Busch

Atualizado: 16 de jan.


Foto de um cone de construção (Pixabay/PT)
Foto de cone de construção (Pixabay/PT)

HIPOCRISIA BRASILEIRA POR TRÁS DA COP30


Em 2025, o Brasil sediará um dos maiores eventos ambientais do mundo: a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em Belém, no estado do Pará. Ao sediar o evento, o Brasil está tentando consolidar seu papel de liderança na agenda climática e reforça isso ao escolher uma capital amazônica como cidade-sede.


Além da COP30, ao sediar o evento, Belém pretende despontar como uma cidade de interesse turístico nacional e internacional. Para isso, está aproveitando o evento para impulsionar a infraestrutura da cidade, realizando “a maior intervenção pública que a capital paraense já viu nas últimas duas décadas”¹, com dezenas de obras que alteram a paisagem da capital.


Mas o que pode parecer um sonho para alguns se tornou um pesadelo para os moradores locais. Um morador local, que não quis ser identificado, disse: “Eu estava animado com essa COP, mas o governador daqui vai construir em duas Unidades de Conservação para sediar o evento”. O morador se refere à construção da Avenida Liberdade, um projeto de infraestrutura cuja construção impactará a Área de Proteção Ambiental Metropolitana de Belém; o Parque Estadual do Utinga; o Sítio Arqueológico Engenho do Murucutu; a Universidade Federal Rural da Amazônia e seu Edifício Professor Rubens Lima, tombado em 2002 pelo Serviço do Patrimônio Histórico de Belém, bem como a comunidade quilombola do Abacatal, em Ananindeua². A avenida também atravessará três cursos d'água da região: o rio Murucutu, o rio Aurá e o igarapé Pau Grande².


Para alguns leitores, especialmente os internacionais, a hipocrisia oculta nas ações do governo em nome da COP-30 pode não ser tão óbvia: a infraestrutura para sediar um evento sobre mudanças climáticas está avançando sobre áreas florestais destinadas à conservação da biodiversidade e da sociobiodiversidade. Essas áreas abrigam projetos de conservação de espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção, como o Projeto de Reintrodução e Monitoramento de Ararajubas (Guaruba guarouba) no Parque Estadual do Utinga. A espécie em questão é classificada como “ameaçada de extinção” pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).


De acordo com a Lei Federal nº 9.985/2000, que regulamenta o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e estabelece Áreas de Proteção Ambiental e Parques Estaduais com diferentes regimes de proteção como Unidades de Conservação, as Unidades de Conservação abrangidas pelos trabalhos devem ter um Plano de Manejo, contendo seu zoneamento e atividades restritas, a fim de regular qualquer atividade e uso em seu território. No entanto, esses documentos não estão disponíveis para consulta pública - como deveriam estar -, o que implica falta de transparência quanto à regularidade das atividades ali desenvolvidas.


Da mesma forma, quando o senhor procura por um extrato da licença ambiental, seja em sites de busca ou nas plataformas gerenciadas pelo governo estadual (responsável pela obra), não há informações sobre a licença para a construção da Avenida Liberdade. A falta de transparência levanta dúvidas sobre a existência do licenciamento necessário, sua condução e seu rigor 5.


Corroborando a falta de transparência mencionada acima, estão as questões sociais envolvidas na construção da Avenida Liberdade. A Constituição Federal Brasileira de 1988 prevê o direito à terra e a preservação da identidade cultural das comunidades quilombolas, e o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e o Decreto nº 4.887/2003 regulamentam o direito dos quilombolas à propriedade das terras que ocupam. Quando lhes são atribuídas Unidades de Conservação, como Áreas de Proteção Ambiental e Parques Estaduais, a legislação atual prevê o direito das comunidades de participar da gestão dessas áreas. O direito à gestão participativa também é garantido pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, que estipula que os quilombolas devem ser consultados previamente durante o licenciamento ambiental de projetos que impactarão seu território e modo de vida.


Apesar de afirmar em seu comunicado oficial que as etapas do licenciamento, incluindo a audiência pública com os quilombolas, foram cumpridas³,4, há relatos de que a consulta prévia às comunidades quilombolas, prevista na Convenção nº 169 da OIT, não foi cumprida, o que significa que a notícia do projeto foi recebida com surpresa pela comunidade tradicional, que será direta e indiretamente impactada 6.


Em 2021, antes da assinatura da licença de construção, foi organizado um manifesto contra a Avenida Liberdade, que reuniu 1.800 assinaturas de atores da sociedade civil. O manifesto foi ignorado pelo governo sob a narrativa de que “o projeto está de acordo com os estudos ambientais realizados”, mas desconsidera todo o peso social que um projeto desse porte tem.


Nem mesmo as instituições públicas de ensino superior foram deixadas de fora dos impactos. A Universidade Federal Rural da Amazônia, em nota oficial publicada em junho de 2024 e assinada por seu reitor 7, informou que havia apresentado considerações e restrições ao desenvolvimento do projeto dentro de seus limites; no entanto, não houve diálogo sobre as considerações e a concessão para as obras foi concedida. Na mesma nota, a reitora reforça que está trabalhando com os responsáveis para garantir que os impactos sejam mínimos.


A pergunta que fica diante dessas informações é: se não há diálogo e nem participação de uma universidade federal - que tem reconhecida importância no cenário brasileiro - quando se trata da obra desejada pelo governador, será que a comunidade tradicional, marginalizada pela sociedade em detrimento de toda a sua importância, realmente teve voz nesse processo? Em outras palavras, as prerrogativas e os direitos dessas comunidades foram de fato respeitados?


As preocupações socioambientais não se restringem exclusivamente à construção da Avenida Liberdade, embora essa seja a mais visível: comerciantes locais tiveram que deixar seus locais de comércio para revitalizar espaços que serão atrativos durante o evento, afetando sua renda e de suas famílias8.


“É importante ressaltar que a maioria das obras é boa, vão fazer um parque linear, um parque ecológico... mas duas intervenções me quebraram: A Avenida Liberdade e a duplicação e continuação da Rua da Marinha, que vai afetar o Parque Ecológico Municipal Gunnar Vingren”, compartilhou um morador. “A floresta da Rua da Marinha abriga uma espécie de tucano em extinção, o tucano-de-bico-preto.” - continuou - “Fala-se entre a população que as intervenções são necessárias, porque o trânsito de Belém é caótico, mas a construção do BRT [bus rapid transit ] e o planejamento de um bom transporte público não parecem ser uma alternativa de política pública. Tudo o que eles pensam é em construir estradas”.


Enquanto a comunidade nacional e internacional olha para a COP30 com grandes expectativas e esperanças de acordos globais que possam minimizar os impactos das mudanças climáticas, os representantes das pessoas mais afetadas pelas mudanças estão sendo ignorados e preteridos em nome da infraestrutura “para a própria conferência”. Os rastros deixados pela COP30 em Belém serão muito maiores do que acordos internacionais: marcarão também o descaso com a biodiversidade e com a sociedade paraense.


ODS 1, 2, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16


Ana Letícia R. Ferro

Engenheira Florestal (FCA/UNESP-Botucatu)











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