![Pessoa de costas olhando a cidade destruída em lama.Foto:Reuters/AdrianoMachado/Direitos Reservados](https://static.wixstatic.com/media/a63056_8454cb511f6e4dfc94535f64512c9792~mv2.jpeg/v1/fill/w_980,h_586,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_avif,quality_auto/a63056_8454cb511f6e4dfc94535f64512c9792~mv2.jpeg)
Brumadinho: vítimas exigem transparência em programa gerido pela FGV
Fundação foi escolhida por meio de edital público
Léo Rodrigues - Repórter da Agência Brasil
Notícia publicada pela Agência Brasil em
25/01/2025 - 09:19
Rio de Janeiro
Exatamente seis anos depois do rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho (MG), a implementação do Programa de Transferência de Renda (PTR), estabelecido pelo acordo de reparação e gerenciado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), tornou-se alvo de críticas do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). A organização aponta falta de transparência e considera um equívoco o corte previsto para março deste ano, quando todos os beneficiários receberão metade dos valores que foram pagos até então. Também exige explicações sobre uma cláusula que destina uma fatia da receita dos recursos do programa para a FGV.
O rompimento da barragem, em 25 de janeiro de 2019, liberou uma avalanche de rejeitos que causou grandes impactos nos municípios da bacia do rio Paraopeba. Ao todo, 272 vidas foram perdidas, incluindo dois bebês de mulheres que estavam grávidas. Os impactos ambientais e socioeconômicos afetaram milhares de pessoas em diferentes municípios da bacia do rio Paraopeba. Como acontece todos os anos, diversas organizações representativas dos atingidos organizaram uma série de atividades para marcar a data.
“O corte no PTR é um absurdo porque a reparação está longe de ser concluída. A Vale não limpou o rio, não retirou os rejeitos. Ninguém pode pescar, não se pode usar a água para irrigação, para consumo, enfim, para qualquer uso. Os atingidos não podem retomar sua atividade econômica”, diz o coordenador do MAB, Guilherme Camponez. Segundo ele, sem suas fontes de sustento, as famílias dependem desses recursos para comprar produtos de primeira necessidade, como água potável e remédios. A prorrogação do programa foi uma das principais reivindicações levantadas pelo MAB em uma marcha realizada em Belo Horizonte na sexta-feira (24).
O PTR foi uma das medidas incluídas no acordo global de reparação de danos firmado entre a mineradora, o governo de Minas Gerais, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG). Ao todo, foram destinados R$ 37,68 bilhões para uma série de medidas acordadas. O valor destinado ao PTR foi fixado em R$ 4,4 bilhões.
O acordo global estabeleceu o programa em substituição ao auxílio emergencial que começou a ser pago pela mineradora logo após a tragédia. Na época, o benefício foi estabelecido com um valor variável de acordo com a faixa etária de cada pessoa atingida: um salário mínimo por adulto, metade desse valor por adolescente e um quarto para cada criança.
Inicialmente, todos os moradores de Brumadinho tinham direito ao benefício, sem distinção. Nos demais municípios atingidos, o auxílio foi concedido às pessoas que moravam até 1 quilômetro (km) de distância da calha do Rio Paraopeba. Ainda no final de 2019, houve uma mudança: o critério de acesso ao benefício foi mantido, mas o valor foi reduzido pela metade para aqueles que não moravam em comunidades diretamente afetadas pelos rejeitos.
Com a implementação do PTR, foram feitos alguns ajustes nos critérios. Os valores, no entanto, foram mantidos. O MPF e a DPMG estabeleceram as poligonais, que delimitaram as comunidades que têm parte de seu território dentro do critério de 1 km da margem do rio Paraopeba. Isso significa que, se uma vila tivesse um ponto localizado dentro dessa distância, todos os seus moradores deveriam ser incluídos como beneficiários.
A aprovação gradual de novas áreas poligonais e a identificação das comunidades tradicionais afetadas levaram à inclusão de mais de 50.000 pessoas. Somando-se aqueles que já vinham recebendo pagamentos desde a implementação do auxílio emergencial inicialmente pago pela Vale, há atualmente 154.964 beneficiários dos recursos do programa.
As bases para a criação do PTR foram lançadas com a assinatura do acordo global em 2021, e a FGV foi escolhida como gestora por meio de uma concorrência pública lançada pelo MPMG, MPF e DPMG. A contratação de uma entidade independente foi uma solução apresentada pelas três instituições - que formam o colegiado responsável pela supervisão do programa - durante a negociação do acordo global. Elas levaram em conta as críticas dos atingidos, que reclamaram do poder da Vale de decidir quem teria direito ao benefício.
No entanto, Guilherme Camponez afirma que o contrato com a FGV que foi assinado com as instituições de justiça não foi precedido de qualquer divulgação. Os afetados não foram consultados nem informados de seus termos. Na cláusula sexta, ficou estabelecido que a FGV receberia R$109,5 milhões para custear a execução do PTR. Além disso, os recursos destinados ao programa seriam depositados em um fundo. Foi concedido à FGV o direito a 12% de todo o rendimento das cadernetas de poupança. Economistas consultados pelo MAB estimam que esse valor já tenha chegado a R$ 40 milhões.
“Houve falta de transparência. Os atingidos não participaram de nada, nem souberam quando o contrato foi assinado. Nunca fomos informados sobre isso e também não há nada no acordo global sobre o assunto. Hoje ninguém sabe o valor exato e para que ele será usado”, reclama. A FGV mantém um site com informações sobre o PTR. Ele registra que, até dezembro de 2024, o fundo rendeu R$ 1,158 bilhão. Mas não há detalhamento do valor específico que iria para a FGV.
Contatada pela Agência Brasil, a FGV disse, em nota, que já repassou mais de R$ 3,6 bilhões aos atingidos pelo PTR, classificado como “o maior programa privado de transferência de renda da América Latina”. De acordo com o texto, a aplicação dos recursos gerou rendimentos que permitiram a prorrogação do prazo do programa, que inicialmente deveria terminar em outubro de 2025.
A FGV afirma ainda que realizou uma pesquisa no ano passado na qual foram avaliados os efeitos do PTR na região. “Entre os indicadores que mostram o impacto socioambiental positivo estão a melhoria de 20% na saúde, 15% na infraestrutura (urbanização e saneamento) e 25% na assistência social na região após a tragédia, impulsionando o desenvolvimento sustentável e o bem-estar das comunidades afetadas”, afirma a nota.
Camponez acredita que não é razoável que a FGV receba uma porcentagem da renda dos fundos. Ele também pede mais transparência. “É uma instituição sem fins lucrativos. Então, o que ela faz com esse dinheiro? O senhor usa para alguma atividade interna? Talvez. Mas nem mesmo isso é informado. Acho que esse é um recurso de reparação. É um recurso que deve ser usado para reparações”, argumenta Camponez. Ele lembra ainda que o acordo global previa a contratação de uma auditoria externa independente para monitorar a gestão do PTR, o que até hoje não se concretizou.
Contatado pela Agência Brasil, o MPF disse, em nota, que todos os custos da contratação da FGV estão cobertos dentro dos R$ 4,4 bilhões destinados ao PTR. O texto acrescenta ainda que o programa está atualmente passando por uma auditoria interna. “A auditoria externa está em processo de contratação”, conclui a nota.
Fim em 2026
Ao mesmo tempo em que se preocupa com o corte anunciado para março deste ano, o MAB teme os efeitos do encerramento definitivo do PTR, previsto para abril de 2026. Camponez não acredita que a situação será muito diferente no próximo ano. Em sua opinião, o processo de reparações tem andado em um ritmo muito lento.
“Sem o PTR, as famílias ficarão em uma situação de insegurança alimentar. Sua renda será muito reduzida e isso afetará toda a região, porque haverá efeitos indiretos. Haverá menos recursos circulando nas comunidades, o que tende a gerar desemprego. É um grande erro acabar com o RTP, além de ser uma violação dos direitos das pessoas afetadas. A Vale tem que colocar mais recursos para mantê-lo funcionando pelo tempo que for necessário.”
Camponez afirma que o fechamento do RAP contraria os princípios da Política Nacional dos Direitos dos Atingidos por Barragens (PNAB), como ficou conhecida a Lei Federal 14.755/2023. Sancionada em 2023 pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, sua aprovação no Congresso se deu após mobilizações do MAB. O artigo 3º garante “auxílio emergencial em caso de acidentes ou desastres, assegurando a manutenção do padrão de vida até que as famílias e indivíduos atinjam condições no mínimo equivalentes às anteriores”.
Em um comunicado, a Vale ressaltou que o PTR foi estabelecido no acordo global como uma solução definitiva para pagamentos emergenciais. A mineradora considera que fez sua parte, já que transferiu o valor fixado. “A Vale faz o pagamento e não participa da gestão dos recursos ou da execução do programa. Em outubro de 2021, a empresa depositou R$ 4,4 bilhões para essa obrigação e, desde novembro de 2021, o programa foi implementado e é gerido pelas instituições da Justiça, sendo administrado pela Fundação Getulio Vargas. Com o depósito em juízo do valor correspondente ao PTR, encerrou-se a obrigação da Vale sobre o tema”, diz o texto.
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