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Produtos e foto de Yanciã - arquivo pessoal para divulgação
Por Agência Brasil
Rafael Cardoso* - Enviado especial
Publicado em 13/01/2025 - 07:35
Manaus
Bioeconomia amazônica: o desafio de gerar renda e conservar a floresta
Modelo envolve conservação da biodiversidade e valorização cultural
Cupuaçu, cumaru, taperebá, tucupi, bacuri e buriti. Das profundezas da floresta, os produtos típicos da Amazônia são colhidos pelas mãos experientes das comunidades locais. Em seguida, são transportados por barqueiros através de rios sinuosos. Quando chegam a Belém, no Pará, são transformados em sucos, temperos, molhos, geleias, granolas, farinhas e farofas.
O ciclo de produção, que envolve diferentes pessoas e termina na venda dos produtos das empresas Manioca e Amazonique, é um exemplo bastante representativo da bioeconomia ou sociobioeconomia, um modelo de negócio que combina geração de renda, conservação da biodiversidade e valorização cultural.
“Temos um senso de propósito muito forte. Ele é impulsionado por um interesse genuíno em gerar impacto social. E também para gerar inovação a partir desses ingredientes da Amazônia. É uma relação muito direta entre empresas e comunidades de todos os tipos, geralmente povos tradicionais. Essas comunidades se tornam fornecedoras. E a partir dessa relação de fornecimento de matéria-prima, desenvolvemos assistência técnica, geramos renda e criamos uma relação de confiança de longo prazo”, explica Paulo Reis, cofundador da Manioca e da Amazonique.
Nascido em Belém, ele abandonou a carreira de advogado e optou por iniciar um negócio que tivesse um impacto positivo na sociedade local e na natureza. A Manioca foi fundada em 2014 com foco em produtos alimentícios feitos de mandioca. A empresa alcança mercados em 13 estados brasileiros e 12 outros países. A Amazonique, focada na produção de sucos de frutas amazônicas, foi criada em 2022 e, por enquanto, pode ser encontrada nas prateleiras da capital do Pará.
“São cerca de 50 famílias e 11 cidades diferentes que nos fornecem a matéria-prima. E nós colaboramos com assistência técnica para elas, com contratos diretos, preços justos a longo prazo e também monitoramos a preservação da área”, diz Reis.
O empresário é membro da Associação Sócio-Bio-Econômica Empresarial da Amazônia (Assobio), cuja missão é o desenvolvimento socioeconômico da região, priorizando a conservação do bioma e o bem-estar das pessoas. São 75 empresas associadas, mais de 600 empregos e um faturamento de mais de R$ 42 milhões. Cerca de 60% dos negócios são de alimentos, mas há outros setores, como cosméticos, produtos farmacêuticos, acessórios e moda.
Juntas, as empresas compram cerca de 100 ingredientes diferentes da Amazônia, que vão além das principais cadeias econômicas da região, como o açaí, o cacau e a borracha. Assobio acredita que a escala ideal para a Amazônia é a multiplicação de iniciativas de pequeno e médio porte.
“A Amazônia está muito acostumada a pensar sempre em grandes projetos, como se aqui fosse um lugar com muita terra para pouca gente. E como se nós aqui sempre precisássemos de uma intervenção em grande escala vinda de fora. É muito mais saudável para a região se pensarmos na criação e no desenvolvimento de várias empresas de pequeno e médio porte. Não adianta grandes empresas virem para cá de forma agressiva, o que pode prejudicar a biodiversidade, nossas tradições e o modo de vida que tanto queremos preservar”, argumenta Paulo Reis.
Essa posição é corroborada por Valcleia dos Santos Lima, superintendente da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), para quem é preciso priorizar a pluralidade em detrimento da monocultura mecanizada.
“É importante que a gente veja o ambiente amazônico como plural. E que não é adequado, por exemplo, destruir toda uma biodiversidade para produzir um único produto, como a soja, o milho, o arroz, ou mesmo a pecuária. O senhor pode extrair uma série de produtos desse território tão diverso. E não ficar em uma produção que não tem resultados para a população local, que gera poucos empregos. Para a Amazônia, esse tipo de negócio não é sustentável”, afirma.
A especialista também acredita que a bioeconomia é um modelo adequado para extrair riquezas da floresta, sem precisar desmatá-la. Nesse caso, o conceito mais importante seria gerar renda a partir da conservação da Amazônia.
“Temos essa diferença entre preservação e conservação. A preservação é o que o senhor não pode tocar. Temos áreas e territórios na Amazônia que são áreas de preservação. E conservar é fazer uso de forma sustentável. É permitir que o que resta da subsistência dos moradores locais seja comercializado e gere renda para eles, de forma sustentável e responsável, explica Valcleia.
Proteínas de açaí e tucumã
A economista e empresária Priscila Almeida nasceu em Minas Gerais, mas há 18 anos fez do Amazonas sua casa. Ela também é membro da Assobio e possui uma empresa de biotecnologia aplicada a alimentos, a Smart Food. A empresa foi criada em 2016 e comercializa produtos veganos. Entre as proteínas alternativas oferecidas estão hambúrgueres de açaí, linguiças e almôndegas e hambúrgueres de tucumã.
Eles também vendem tucumã e açaí liofilizados, ou seja, desidratados em um processo que vai direto do estado sólido para o gasoso, sem passar pelo líquido. Segundo Priscila, eles são 100% naturais, sem aditivos e preservam os sabores e nutrientes da floresta amazônica. Além disso, 60% dos ingredientes são provenientes de comunidades extrativistas da Amazônia.
Além do Amazonas, a empresa comercializa seus produtos em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Espírito Santo. E tem planos de atingir mercados no exterior. Um dos obstáculos no momento são os efeitos da crise climática, como as secas cada vez mais intensas na Amazônia.
“Nosso negócio foi afetado este ano e provavelmente será nos próximos anos. A seca teve um impacto em Tucumã, que é uma cadeia em que trabalhamos. A seca está causando, em alguns casos, a esterilização das sementes. Temos tido dificuldade em conseguir sementes férteis para micropropagação. Vejo que esse impacto tende a se tornar cada vez mais forte. Isso pode ser superado, desde que haja processos de regeneração, com plantio ou recuperação das plantas”, explica Priscila.
Priscila Almeida diz que a sociobioeconomia é a matriz econômica mais viável para minimizar os impactos das mudanças climáticas - Guilherme Gomes/Divulgação
Para a empresária, a sociobioeconomia é a matriz econômica mais viável para minimizar os impactos das mudanças climáticas.
“Ela envolve mais mão de obra, ao contrário das tecnologias convencionais. O senhor pode conseguir uma distribuição de renda maior com produtos da sociobioeconomia do que, por exemplo, uma startup de inovação. A startup favorece a escala em termos de recursos financeiros e capital, mas a mão de obra e a empregabilidade não chegam na mesma velocidade. Por isso, a sociobioeconomia, como matriz de desenvolvimento, é uma das mais importantes para a Amazônia”, argumenta Priscila.
Moda ancestral
Foi com base em suas experiências e no aprendizado com as comunidades tradicionais da floresta que Elijane Nogueira fundou a Yanciã, uma microempresa voltada para artigos de moda feitos à mão. Ela é formada em direito, com especialização em ciências criminais, mas decidiu fazer a transição para a área ambiental, trazendo na bagagem ações e estudos sobre questões de vulnerabilidade social.
“Eu comecei essa pesquisa de moda com responsabilidade socioambiental. E comecei a olhar para a minha região, refletindo muito sobre as mudanças climáticas e como todos nós estávamos sendo afetados. Eu queria muito desenvolver uma cultura de moda baseada em nossos territórios”, explica Elijan.
A marca Yanciã foi registrada em 2021, após anos de pesquisa para conectar a agenda ambiental com um negócio de moda. O primeiro espaço físico da empresa foi inaugurado em agosto de 2024, em um centro cultural chamado Casarão de Ideias.
O negócio não é uma revenda de materiais amazônicos. Ela obtém os produtos acabados de associações que coletam e modificam as matérias-primas. O trabalho envolve pesquisa e troca de conhecimento com os artesãos. Entre os materiais utilizados estão fibras de tucum e sementes de açaí. Elijane faz a curadoria do processo, selecionando e produzindo artesanatos que se transformam em coleções de moda.
“Alguns desses materiais vêm de conhecimentos ancestrais, de comunidades indígenas que já os utilizavam para sua própria subsistência. Fiz a curadoria de uma coleção para entender os materiais e de onde eles vieram. Quem eram as comunidades, como eles eram coletados e como eram processados”, explica Elijane. “Tento honrar esse conhecimento tradicional de mulheres de povos tradicionais que, por muito tempo, foram maltratadas, marginalizadas e tornadas invisíveis pelo próprio mercado de artesanato. Muitas vezes, elas nem recebiam crédito por seu trabalho.”
Série sobre a Amazônia
A reportagem faz parte da série Trilhas da Amazônia, que abre o ano da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), a ser realizada em Belém em novembro deste ano. Nas matérias publicadas pela Agência Brasil, os povos da Amazônia e os envolvidos diretamente na defesa da floresta discutem os impactos das mudanças climáticas e as respostas para lidar com elas.
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