![Foto aérea do Pantanal por Lucas Leutzinger (peapix) Na foto bastante área verde e lagos](https://static.wixstatic.com/media/a63056_85945e377b094d59b6a27194eba50079~mv2.jpg/v1/fill/w_850,h_568,al_c,q_85,enc_auto/a63056_85945e377b094d59b6a27194eba50079~mv2.jpg)
Adeus às águas: a despedida crepitante do Pantanal
"Enquanto todo esse fogo / Atravessa o Pantanal
As veias abertas de mim / Secam temendo o fim"
Águas para o Pantanal - Marina Peralta, Alzira e Jerry.
No dia 12 de novembro, foi comemorado mais uma vez o Dia do Pantanal. A data foi escolhida em homenagem à luta de Francisco Anselmo de Barros, ambientalista que defendeu o bioma até mesmo na forma como morreu, na data mencionada, em 2005. Em meio às chamas ateadas por ele mesmo, encerrou sua vida da forma como sempre a conduziu, como “[...] um sacerdócio em defesa da natureza” - como escreveu “Francelmo” em sua despedida.
O destino de seu maior mártir foi tão triste quanto o de sua amada planície alagável: até o final de 2024, as áreas aquáticas que iam e vinham todos os anos, trazendo vida de volta ao Pantanal, haviam sido drasticamente reduzidas. De acordo com dados recentes do MapBiomas, uma plataforma de mapeamento de uso e cobertura da terra no Brasil apoiada pelo Observatório do Clima, a perda foi de 60% em comparação com a média histórica das últimas quatro décadas, colocando em risco a sobrevivência e o pleno funcionamento do reino das águas.
E o que isso significa? Parte do que torna o Pantanal tão fascinante é sua dinâmica hídrica, que, embora faça parte da porção abiótica, parece ter vida própria: há dois tempos nas margens do rio Paraguai, a cheia e a seca. O regime anual de chuvas determina qual faceta será observada: a primeira, como apontam os relatórios e pesquisas cada vez mais pessimistas (que nada mais retratam do que a realidade), está cada vez mais curta. O rio não enche mais, porque a chuva que deveria vir não cai, e quem sofre são as planícies. O paraíso aquático sucumbe, enquanto o Pantanal é elevado ao clube dos biomas brasileiros savanizados.
A segunda faceta expõe os males de sua antecessora. Sem umidade, o solo fica mais propenso a incêndios, um elemento exótico do bioma. Embora as pessoas ainda insistam que o fogo é algo natural do bioma - o que aponta para a falta de educação ecológica e de conhecimento sobre os ecossistemas do país -, as chamas do Pantanal, quando ainda havia mais controle sobre elas, eram usadas em determinadas situações para manejar o solo de forma controlada. Hoje, em 2024, parece ser o contrário: são as chamas que controlam, ou melhor, descontrolam a estrutura da paisagem, que está cada vez mais extinta. Desmoronando em cinzas.
Cinzas que atingiram o Parlamento Europeu reunido para uma sessão plenária na França no início de outubro. Exibidas pela deputada Anja Hazekamp, que também é bióloga, foram carregadas por Luciana Leite, uma das muitas feras que guardam ferozmente o Pantanal. O ato, juntamente com a bela exposição “Pantanal: nosso patrimônio e nosso legado”, teve como objetivo esclarecer o bioma e sua situação crítica. Em seu discurso, Anja incluiu o Velho Mundo na lista de culpados pela situação do bioma: "Na Europa, somos cúmplices da destruição em massa dessas florestas, savanas e áreas úmidas frágeis e vitais. A principal causa desses incêndios é o desmatamento implacável para que os agricultores possam abrir caminho para o gado, que se torna carne e acaba em nossos pratos."
Embora o discurso seja extremamente relevante, o senhor não precisa atravessar o Atlântico para identificar os principais culpados pela perda das planícies. Seguindo a tendência de tudo o mais no mundo, o problema é antropocêntrico: sejam deixadas por pessoas daqui ou dali, as pegadas humanas que ampliam as questões climáticas e o uso inadequado da terra são as marcas mais indeléveis deixadas no caminho do progresso. Em meio a uma corrida desleal, o Pantanal caminha para um ponto de não retorno. E o que há muito tempo vem preocupando as pessoas mais sensíveis ao meio ambiente está, aos poucos - mais lentamente do que deveria -, afetando também o restante de nós.
O que deve ser feito?
Hamlet, em seu famoso solilóquio, pergunta sobre a necessidade de “(...) pegar em armas contra o mar da angústia”. E no caso do Pantanal, a demanda por ação é forte. Munidos da vontade de se levantar e proteger nossa casa comum, os últimos heróis do Brasil, os sucessores de Francelmo, como cunhou o grande poeta naturalista Manoel de Barros, estão surgindo e resistindo a cada dia. São inúmeras iniciativas: populares, levantadas por membros da comunidade ambiental, por alguns poucos políticos realmente preocupados. Mesmo que sejam bem-sucedidas, que estejam contribuindo para uma mudança positiva no contexto local, o quórum é baixo: precisa aumentar.
Há muitos caminhos e soluções, mas uma grande luta não pode ser vencida sozinha. Nem com apenas uma batalha. Aqueles que estão literalmente no fogo cruzado, vivendo a triste realidade do adeus às águas, têm feito a diferença (ao final, convido o senhor a acompanhar o trabalho de alguns desses grupos). Mas se o senhor não puder estar presente, deixe sua consciência despertar para se juntar à causa e clamar por mudanças. Apoie e fortaleça iniciativas que buscam proteger o bioma, repense atitudes, vote conscientemente. Responsabilize seus líderes. E, acima de tudo, limpe a fuligem de nossos olhos - mesmo que ela não pare - sobre a importância não só do Pantanal, mas de todos os biomas brasileiros e sua conservação. Nesse cenário de incertezas, que nossa esperança e desejo de mudança sejam, no mínimo, perenes.
Pantanal, qual é o destino final do senhor? Afinal, nosso destino? Qual deles, Pantanal?
Oh, Pantanal - Carlos Rennó, Tetê Espíndola e Guilherme Rondon
A seguir: Chalana Esperança (@chalanaesperança), SOS Pantanal (@sospantanal), Fundação Justiça Ambiental (@ejfoundation). Seu comprometimento conta muito!
Leticia Keiko Nunes de Campos
ODS 13, ODS 14, ODS 15
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