![Pessoa carregando um cartaz lembrando da ciência](https://static.wixstatic.com/media/a63056_db0c5292ee05410380288ae55562bde1~mv2.jpg/v1/fill/w_700,h_642,al_c,q_85,enc_auto/a63056_db0c5292ee05410380288ae55562bde1~mv2.jpg)
“Vamos construir uma ponte atrás da outra e elas vão cair”
Ao ecoar na recém-criada sala de situação integrada da Base Aérea de Santa Maria (RS), a frase proferida pela ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, apenas três dias após o início das enchentes no Rio Grande do Sul, revela um alto grau de coerência diante da tragédia anunciada que se abateu sobre o estado.
Naquela sala, em 2 de maio, a ministra também falou sobre gestão de riscos climáticos, parcerias e a decretação de emergência climática permanente em 1.942 municípios que podem ser alvo de eventos climáticos extremos de forma recorrente. Com essas medidas, o MMA está buscando um estado de excepcionalidade para fazer intervenções permanentes e, assim, evitar novas tragédias.
Em meio ao maior desastre ambiental que o estado já viveu, após a morte de mais de 170 pessoas e mais de 42 desaparecidos (e contando), o Governo Federal decidiu criar um Conselho de Emergência Climática.
O que pouca gente sabe é que essa não é uma questão estranha ao Palácio do Planalto. Em 2014, a então presidente Dilma Roussef financiou o chamado Projeto Brasil 2040, que tinha como objetivo fazer projeções de longo prazo sobre esses eventos climáticos. O projeto custou R$ 3,5 milhões, envolveu pesquisadores renomados de todo o país e, de fato, apresentou várias projeções. Os relatórios apontaram, por exemplo, riscos como o aumento do nível do mar, mortes por ondas de calor, colapso de hidrelétricas, intensificação das secas no Nordeste e das chuvas no Sul.
Especificamente para o sul do país, a Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura previu um aumento de 15% nos níveis de chuva. Com base nesse tipo de informação, os pesquisadores fizeram recomendações de medidas como a elaboração de um plano de contingência para eventos climáticos extremos, além de sistemas de alerta e adaptação da drenagem urbana, entre outras.
O estudo foi considerado “alarmista” pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, especialmente em um momento muito delicado para o governo, já que havia muita movimentação em torno da recente operação da UHE Belo Monte, no Rio Xingu.
Os resultados do projeto foram apresentados de forma mais conservadora durante a ratificação do Acordo de Paris pelo presidente Michel Temer e depois engavetados, de modo que, segundo o The Intercept , ainda hoje é difícil encontrar o documento completo na internet.
Naquele mesmo ano, o governo lançou um polêmico Plano Nacional de Adaptação, sobre o qual falo em detalhes neste post do final de 2023.
Passamos pelo governo de Jair Bolsonaro também sem que esse assunto fosse discutido, até que agora, diante de tudo o que estamos vendo, é impossível o presidente Lula virar as costas para o tema.
Em 2022, o professor Marcelo Dutra da Silva fez um importante alerta durante uma sessão na Câmara Municipal de Pelotas (RS). Na ocasião, ele falou sobre a mudança no comportamento das chuvas, a partir de um acúmulo de 300 mm de precipitação por mês, chamando a atenção para o fato de que as cidades não estavam preparadas, e foi muito enfático ao dizer que a água chegaria a lugares onde nunca havia chegado.
E de fato chegou.
Tudo isso é premonição? Não, é ciência.
Em 13 de maio de 2024, o Ministério Público acionou o Tribunal de Contas da União para investigar as ações do governador Eduardo Leite. Acusado de “afrouxar” as leis ambientais do estado, Leite disse em uma entrevista à GloboNews que a tragédia não deveria ser atribuída à sua administração, pois se tratava de um desastre natural. Por outro lado, a administração do governador, depois de alterar quase 500 artigos do Código Ambiental do Rio Grande do Sul em 2019, destinou apenas 0,2% do orçamento de 2024 para a questão climática.
O fato é que, embora todos sejamos compassivos e solidários com o que está acontecendo no sul, não podemos tratar uma tragédia anunciada como “imprevista”, afinal tudo estava previsto.
Também é essencial lembrar que as pessoas que vivem na periferia das cidades têm 15 vezes mais chances de morrer em decorrência de eventos climáticos extremos. Estou falando de pessoas de baixa renda, em sua maioria negras, cujas condições de moradia, saneamento e infraestrutura básica são mais vulneráveis (Fonte: IPCC).
Estou falando de justiça climática e racismo ambiental.
![Imagem: Rovena Rosa / Agência Brasil](https://static.wixstatic.com/media/a63056_8f01c6edb13f44e98c543ce6b13de403~mv2.jpg/v1/fill/w_850,h_460,al_c,q_85,enc_auto/a63056_8f01c6edb13f44e98c543ce6b13de403~mv2.jpg)
Uma pesquisa da Quaest Pesquisa e Consultoria revelou que 94% da população brasileira acredita que há uma ligação direta entre o desastre no RS e as mudanças climáticas. Esse é um excelente ponto de partida para a pressão popular por um Plano de Adaptação que considere questões de raça, gênero, renda e moradia. Ele deve trazer as pessoas que são mais afetadas pelas mudanças climáticas para o centro das discussões. Precisamos de um Plano de Adaptação justo, de sistemas ecológicos e sociais mais resilientes e de ações estratégicas - e urgentes - de mitigação.
É hora de parar de pensar que não há culpados, porque são justamente os culpados que não querem ser apontados.
André Luiz Oliveira
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